201808.06
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Justiça aceita 69% dos acordos entre empresas e trabalhadores

Matéria comentada por Patrícia Carvalho
“Um dos pontos de maior repercussão da reforma trabalhista é a possibilidade das partes firmarem um acordo fora da Justiça do Trabalho e requererem em juízo apenas a homologação. Essa nova modalidade de ação confere às partes envolvidas um maior grau de autonômia quanto à solução do seu problema. O judiciário vem sendo cada vez mais provocado por ações dessa natureza e, consequentemente, se moldando para atender a demanda.”

Empresas e ex-trabalhadores firmaram, entre janeiro e junho, 19.126 acordos extrajudiciais em todo o país, nos moldes previstos na reforma trabalhista, para resolver pendências do contrato de trabalho sem a necessidade de abertura de um processo judicial. Do total, 13.236 (69,2%) foram homologados pela Justiça do Trabalho, requisito previsto pela lei para que tenham validade.

Tanto advogados de empresas quanto de trabalhadores consideram alta a taxa de homologação, obtida por meio de levantamento feito pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) a pedido do Valor. Entre os 24 tribunais regionais do trabalho (TRTs), o do Maranhão foi o que obteve o maior índice de confirmações: 93,83%.

O que chama a atenção no levantamento, porém, foi o baixo índice do TRT de São Paulo (que engloba capital, Grande São Paulo e Baixada Santista), o maior do país. Foram homologados apenas 36,46% dos acordos levados à primeira instância.
As decisões contrárias têm gerado queixas de advogados. Para eles, o tribunal tem criado empecilhos não previstos na lei
da reforma (nº 13.467, de 2017) para negar homologações.

“Muitos clientes têm desistido de tentar um acordo extrajudicial em São Paulo porque há uma chance alta de não se obter a homologação”, diz o advogado trabalhista Cleber Venditti, do Mattos Filho Advogados, que defende grandes empresas.

Após a entrada em vigor da reforma, o TRT de São Paulo publicou algumas diretrizes que servem de orientação aos juízes, principalmente do Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (Cejusc), para onde esses pedidos, em geral, têm sido encaminhados pelas varas trabalhistas.

Muitas das recomendações foram editadas para evitar a homologação de acordos supostamente fraudulentos. Preveem agendamento de audiência com as partes e a presença dos advogados para verificar a livre e espontânea vontade dos
envolvidos.

Porém, segundo advogados, o TRT paulista criou algumas regras, não previstas em lei, que causam entraves nas negociações. Entre elas, a que estabelece que os acordos não podem tratar de vínculo de emprego e a previsão de que a quitação deve ser limitada aos direitos especificados na petição – ou seja, veda a homologação total do contrato de trabalho, o que evitaria ação judicial para discussão de outros aspectos.

Um dos acordos negados pelo TRT envolve uma empresa e um prestador de serviços. Segundo Venditti, que assessorou a companhia, o próprio prestador propôs ao seu cliente um acordo extrajudicial para não ter que entrar na Justiça com uma reclamação para tratar de um suposto vínculo de emprego.

Após negociações entre os advogados das partes, chegou-se a um valor para o acordo: R$ 2 milhões. O acerto foi, então, encaminhado ao Cejusc, que pediu o recolhimento das custas em 2% do valor da causa pelas partes, segundo Venditti. Porém, a homologação foi posteriormente negada. O órgão alegou que não poderia tratar do caso sem o reconhecimento do vínculo de emprego pela Justiça.

” A intenção da reforma trabalhista é justamente evitar o litígio, mas algumas dessas diretrizes do TRT acabam por estimulá-lo. Neste caso, a empresa teria que aguardar ser processada para, diante do juiz em audiência, propor o acordo, porque só a Justiça seria competente para analisar se houve ou não o vínculo empregatício. Não faz sentido”, diz Venditti.

O especialista destaca outro caso em que atuou, um acordo extrajudicial entre um banco e um alto executivo, que previa o pagamento de cerca de R$ 1 milhão. O acerto foi parcialmente aceito pelo Cejusc em São Paulo porque havia uma cláusula de quitação total. “Estamos recorrendo ao TRT para tentar homologá-lo. O juiz não pode escolher quais cláusulas ele pode homologar e quais não”, afirma. Para ele, não se pode aceitar diretrizes que não estão na lei para impedir essas homologações.

A possibilidade de acordo extrajudicial está prevista nos artigos 855-B ao 855-E, incluídos pela reforma na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Os artigos estabelecem genericamente a obrigatoriedade da representação das partes por advogados, dá o prazo de 15 dias para o juiz analisar o acordo, designar a audiência e proferir a sentença.

O advogado que assessora trabalhadores e empresas, Eli Alves da Silva, do escritório que leva seu nome, considera “muito simples” o que foi estabelecido pela reforma. “Só que já começaram a deixar a questão complexa, com diretrizes que desestimulam o acordo extrajudicial”, afirma. O fato de o TRT paulista exigir, por exemplo, o recolhimento adiantado das custas de 2% sobre o valor do acordo, segundo o advogado, desprestigia o uso dessa modalidade.

Como o TRT paulista tem homologado apenas em parte os acordos que trazem cláusula de quitação total, Alves da Silva afirma que tem recomendado que a empresa discrimine todas as verbas englobadas e coloque nos acertos o que eventualmente poderia ser discutido em um processo judicial. “Se a empresa, por exemplo, tem muitas ações que tratam de adicional de insalubridade, é melhor já incluir essa questão no acordo. Quanto mais claro e transparente, mais fácil será para o juiz aceitá-lo”, diz.

Para a advogada Mayra Palópoli, do Palópoli & Albrecht Advogados, as diretrizes do TRT de São Paulo são em geral positivas, por darem mais segurança às partes. Porém, destaca, o fato de não aceitarem a quitação geral tem prejudicado as empresas. “Não se encerra de fato a relação de trabalho e fica a dúvida se haverá algum questionamento posterior.”

Fonte: Valor Econômico