Projeto sobre arbitragem prejudica consumidor, diz Ministério da Justiça
Com tramitação acelerada no Congresso Nacional, onde foi aprovado na Câmara dos Deputados esta semana, o projeto de lei que permite o uso da arbitragem para relações de consumo e trabalhistas enfrenta oposição no Ministério da Justiça, que vai relações sugerir o veto a parte do texto por entender que os direitos do consumidor vão ficar comprometidos.
“Quando você assina um contrato de adesão, como o das empresas de telefonia, planos de saúde e bancos, não são discutidas as cláusulas. Ou você aceita o contrato todo ou não adere ao serviço”, diz Juliana Pereira, titular da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça. “A inclusão de cláusulas de arbitragem nestes contratos é abusiva porque a parte mais frágil, que é o consumidor, não tem como negociar.”
A arbitragem é uma forma alternativa de solucionar conflitos sem recorrer ao poder Judiciário, que costuma ser demorado. De comum acordo, as partes contratam uma câmara de arbitragem, em que juristas especializados no assunto fazem o papel de juízes. Este instrumento é muito utilizado para resolver conflitos entre empresas e litígios internacionais, por ter como grande atrativo maior celeridade que processos na Justiça comum.
Contudo, os gastos são muito maiores. O julgamento de um contrato de R$ 10 milhões por câmaras de renome, por exemplo, custaria cerca de R$ 480 mil devido a taxa administrativa e remuneração dos árbitros. O dado mais recente, de um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra que o valor dos contratos resolvidos por arbitragem em 2009 chegou a R$ 2,4 bilhões no Brasil. Atualmente há 300 instituições que prestam este tipo de serviço no país.
Esse alto custo faz o Senacon e outros órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) se oporem à proposta. “Se o Poder Legislativo considerar que esse projeto tem que ser aprovado, vamos sugerir o veto [à Presidência] e apresentar uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal [STF]”, afirma Juliana Pereira.
Para ela, a instituição da arbitragem para os contratos de massa, como de telefonia e bancos, obrigaria as companhias a abrirem escritórios em todas as 5.565 cidades do país. “Se as empresas avaliarem bem, não vai valer a pena. O custo vai ter que ser repassado para os consumidores e vai encarecer os serviços”, afirma.
Já o deputado Edinho Araújo (PMDB-SP), relator do projeto na Câmara, diz a preocupação é infundada. “O consumidor não perde as condições atuais, só avança e ganha mais uma opção para se defender. O trecho do contrato que vai falar da arbitragem tem que estar em negrito ou em documento apartado e que tem que aceitar depois, expressamente, o uso da arbitragem para resolver o conflito”, diz.
De interesse dos grandes escritórios de advocacia e instituições do país que possuem câmaras de arbitragem, o projeto de lei tramitou com velocidade incomum no Congresso. Uma comissão de juristas foi formada em abril de 2013 para elaborar a proposta. O texto foi protocolado em nome do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em outubro e em dezembro já tinha sido aprovado pelos senadores.
Na Câmara, a proposta tramitaria em três comissões, mas o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), determinou que fosse formada comissão especial para analisar a proposta em caráter conclusivo (quando dispensa votação em plenário). A comissão, composta por deputados ligados a advocacia, começou a funcionar em 20 de maio e, menos de dois meses depois, aprovou o projeto com apenas uma alteração a pedido do governo, o que fará a proposta volta à discussão no Senado.
O PL permitirá ainda usar a arbitragem para discutir questões trabalhistas de administradores ou dirigentes estatutários de empresas, desde que com consentimento expresso do funcionário. O advogado Luiz Olavo Baptista, especialista no assunto, diz que a principal vantagem, além da maior celeridade para conclusão do processo, é o sigilo. “O ex-governador de São Paulo Laudo Natel era funcionário de um banco e, depois de eleito, entrou com processo trabalhista milionário contra a empresa. Como o processo era público, isso foi divulgado pela imprensa e causou grande desgaste para a imagem dele, o que não teria ocorrido pela arbitragem”, exemplifica.
O projeto também dará mais segurança jurídica para as disputas societárias, diz Baptista. A arbitragem terá de constar do estatuto social da empresa, que vai ser modificado por convenção, e os acionistas que não concordarem, se em minoria, poderão se retirar da companhia mediante o reembolso de suas ações. Fonte:Valor Econômico, por Raphael Di Cunto