As vendas de unidades imobiliárias após a conclusão da obra submetem-se ao RET – Patrimônio de Afetação?
A partir de 2013, com a edição da Lei nº 12.844/2013 – reduzindo-se para 4% (incorporações ordinárias) e para 1% (incorporações do Programa Minha Casa, Minha Vida) a alíquota do pagamento unificado dos tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS/PASEP e COFINS) contemplados pelo regime especial de tributação (RET) – multiplicaram-se as incorporações imobiliárias submetidas ao patrimônio de afetação.
Embora não mais haja controvérsia sobre a possibilidade de opção pelo RET desde o registro da incorporação até a averbação da construção, discute-se ainda se as receitas oriundas de vendas de unidades imobiliárias prontas, isto é, realizadas após a conclusão da obra, seriam também alcançadas pelo regime especial de tributação, aplicando-se a alíquota unificada de 4% ou de 1% para os tributos federais.
Havia posições da Receita Federal em ambos os sentidos.
De acordo com a Solução de Consulta nº 244 – Cosit, de 12 de setembro de 2014, “interpreta-se que não se sujeitam ao RET as receitas decorrentes das vendas de unidades imobiliárias realizadas após a conclusão da respectiva edificação, eis que a incorporação imobiliária consiste na venda de fração ideal do terreno vinculada a uma unidade imobiliária autônoma do edifício a ser construído, ou em construção, sob regime condominial, com a promessa de entrega do bem em prazo certo e ajustado”.
Por outro lado, conforme a Solução de Consulta nº 7.045 – SRRF07/Disit, de 11 de dezembro de 2014, “é irrelevante, para efeito de aplicação do RET, o fato de as unidades residenciais não comercializadas durante a obra virem a ser depois da sua conclusão e da averbação da baixa no Registro de Imóveis”.
Recentemente, a Receita Federal uniformizou a sua posição, através da Solução de Consulta DISIT/SRRF02 nº 2009, de 13 de agosto de 2018, consolidando o entendimento de que: “Não se sujeitam ao RET as receitas decorrentes das vendas de unidades imobiliárias realizadas após a conclusão da respectiva edificação”.
A despeito da solução da controvérsia no âmbito administrativo, pode-se afirmar peremptoriamente que a submissão (irretratável) da incorporação imobiliária ao regime especial de tributação se estende às receitas decorrentes de vendas de unidades prontas.
Não há nenhuma regra legal que fixe a conclusão da obra como termo final do RET.
A bem da verdade, o art. 1º da Lei nº 10.931/2014 impõe o aludido regime tributário “enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação” (art. 1º da Lei nº 10.931/2014).
Com a conclusão da obra (expedição do alvará de habite-se, averbação da construção e individualização das matrículas das unidades autônomas) extingue-se o patrimônio de afetação (art. 31-E, inciso I, da Lei nº 4.591/1964) mas não se extinguem os direitos de crédito nem, muito menos, as obrigações do incorporador junto aos compradores.
Mesmo após a edificação finalizada, o incorporador continua assim figurando nos novos negócios de compra e venda. Quando aliena a unidade imobiliária pronta, o incorporador não se transmuda num vendedor comum; ele preserva todas as obrigações do incorporador estipuladas em legislação específica.
Ademais, além das inescapáveis obrigações de garantia dos imóveis vendidos, revela-se extremamente comum a existência de créditos do incorporador após a conclusão da obra, quando ordinariamente se concentram os pagamentos realizados por intermédio de instituições financeiras.
Ainda em relação às instituições financiadoras, também é muito comum que persistam débitos do incorporador após o término da obra, na maioria das vezes débitos que se vinculam especificamente àquelas unidades ainda não comercializadas.
Portanto, o irretratável regime especial de tributação se encerra apenas quando extintos todos os direitos e obrigações do incorporador, ou seja, quando se esgota o objeto da incorporação, o que, como repetidamente asseverado, não coincide com a averbação da construção.
A afetação do patrimônio e a opção ao RET submetem o incorporador a múltiplas obrigações e restrições, assumidas para que as receitas da incorporação sejam tributadas de forma menos onerosa.
Não se pode assegurar que todas as vendas sejam realizadas antes da conclusão da obra. Ao contrário, por diversos motivos (na maioria, absolutamente alheios ao incorporador e à incorporação), as vendas atualmente se concentram após o término do edifício.
Afronta a boa-fé e a estabilidade das relações a pretensão fiscal de tributar mais onerosamente as receitas oriundas de vendas pós-obra, desprestigiando o planejamento tributário de toda a incorporação, especialmente quando se tem em conta que, para usufruir o “bônus tributário”, o incorporador se submeteu a inúmeras obrigações decorrentes do patrimônio de afetação.
A interpretação fiscal restritiva e ilegal prejudica sobremaneira o setor imobiliário, para o qual, especialmente diante do atual cenário econômico, é indispensável a segurança jurídica, não se podendo admitir a imposição de tratamentos tributários desiguais sem nenhum critério razoável para tal discriminação.
Agora, porém, diante da Solução de Consulta DISIT/SRRF02 nº 2009, de 13 de agosto de 2018, que uniformizou o entendimento restritivo da RFB, resta ao incorporador provocar o Poder Judiciário a fim de que o seu direito ao RET seja integralmente assegurado, preservando-se o regime menos oneroso também para a receitas das vendas após a conclusão da obra.