201602.24
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A carência contratual dos planos de saúde pode limitar os atendimentos de urgência e emergência?

Por força da Lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, o período máximo de carência para a cobertura nos casos de urgência e emergência é de vinte e quatro horas.

No entanto, as operadoras de planos de saúde costumam limitar a cobertura dos atendimentos emergenciais às primeiras doze horas, contadas a partir da admissão do paciente. Ou seja, caso o atendimento emergencial de paciente em período de carência evolua para internação, cessa a responsabilidade do plano, devendo o consumidor arcar com as despesas em regime particular.

A postura das operadoras de planos de saúde está amparada pela Resolução nº 13 do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU[1], que traz disposições acerca das coberturas em período de carência.

De acordo com a citada resolução, a cobertura para atendimentos de urgência e emergência deve observar, inicialmente, a segmentação do plano de saúde (ambulatorial ou hospitalar)[2].

No plano de saúde ambulatorial, os atendimentos de urgência e emergência estão sempre limitados às doze primeiras horas, independentemente do período de carência. Quando deste atendimento resultar necessidade de procedimentos exclusivos da cobertura hospitalar, ainda que em prazo menor que doze horas, cessa a cobertura do plano, passando ao consumidor a responsabilidade sobre as despesas.

Já os contratos de plano hospitalar devem oferecer cobertura aos atendimentos de urgência e emergência que evoluírem para internação, desde a admissão do paciente até a sua alta, adotando as providências que sejam necessárias à preservação da vida, órgãos e funções.

Entretanto, caso o consumidor esteja em período de carência, a cobertura deverá ser igual a do plano ambulatorial, limitada às doze primeiras horas e não garantindo internação. Esta limitação não se aplica caso a urgência decorra de acidente pessoal, situação na qual o atendimento não pode sofrer qualquer restrição[3].

A limitação do atendimento emergencial para os pacientes em período de carência vem sendo rejeitada pelos tribunais de justiça estaduais e também pelo Superior Tribunal de Justiça. Isto porque a Lei 9.656/98 não traz nenhuma limitação além das vinte e quatro horas iniciais após a assinatura do contrato. Neste sentido, não poderia uma norma infralegal, no caso a Resolução do CONSU, impor restrições que não foram previstas pelo legislador.

Vale ressaltar que a restrição da cobertura em situações de emergência configura limitação do direito do consumidor, de modo que tal previsão deveria estar contida no contrato de forma destacada, permitindo sua imediata e fácil compreensão. É o que prevê o artigo 54, 4º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Ocorre que esta cláusula, caso estivesse presente no contrato, poderia ser facilmente considerada nula de pleno direito, por força do artigo 51 do mesmo CDC.

Logo, a limitação de cobertura aos atendimentos emergenciais é conduta que não se sustenta diante da Lei 9.656/98, que trata dos planos de saúde, e do Código de Defesa do Consumidor.

É importante pontuar que para os planos ambulatoriais esta limitação se mostra razoável, já que a internação não compõe a cobertura oferecida, esteja o paciente em carência ou não. A segmentação do plano, como visto, é elemento importantíssimo para análise de suposta conduta abusiva por parte da operadora de plano de saúde, e acaba sendo ignorada, por vezes, no contexto das demandas de massa e da crescente judicialização da saúde.

Vale ressaltar, por fim, que não se configura prática abusiva ou ilegal a cobrança particular das despesas médicas pelo hospital nos casos de negativa de cobertura por carência contratual. O estabelecimento hospitalar atua de forma legítima ao cobrar pelos serviços prestados, devendo o consumidor efetuar o pagamento e pleitar em juízo, posteriormente, o ressarcimento ao plano de saúde.


[1] O CONSU é um órgão integrante da estrutura do Ministério da Saúde, sendo composto pelo Ministro da Justiça – que o preside – pelo Ministro da Saúde, pelo Ministro da Fazenda e Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, além do Presidente da ANS, que atua como Secretário das reuniões.

[2] A cobertura ambulatorial oferece prestação de serviços de saúde que compreende consultas médicas em clínicas ou consultórios, exames, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais. A cobertura  hospitalar garante a prestação de serviços em regime de internação, podendo incluir ou não atenção ao parto (obstetrícia), com cobertura ao recém nascido durante os primeiros 30 dias de vida.

[3] Considera-se acidente pessoal o evento decorrente de causas externas, ocorridos em data específica, de maneira súbita e involuntária e causador de lesão física que torne necessário o tratamento médico.