201512.16
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A responsabilidade dos estabelecimentos de saúde por erro médico

Com a expansão dos serviços de saúde pelo setor privado e a consolidação de uma política de proteção ao consumidor, multiplicou-se, nos últimos anos, o número de ações indenizatórias propostas em face de estabelecimento de saúde (hospitais, laboratórios, clínicas, centros médicos, prestadores de serviços de home care, etc.).

Historicamente, os estabelecimentos de saúde, sobretudo os hospitais, estiveram ligados a entidades de beneficência ou instituições religiosas, o que desestimulava sua inclusão no polo passivo de ações indenizatórias, que eram comumente ajuizadas apenas em face do profissional médico.

A responsabilidade civil dos estabelecimentos de saúde, assim, é um tema relativamente novo, sobre o qual os tribunais ainda divergem bastante, ao tempo que a doutrina debate em que medida estas pessoas podem ser responsabilizadas pelos chamados erros médicos.

Para analisar de que forma os hospitais e outros estabelecimentos respondem por erros médicos, é preciso, antes de tudo, conceituar tal evento. Longe de ser um mero rigor técnico, a delimitação precisa do erro médico é essencial para os desdobramentos de sua responsabilidade.

A responsabilidade dos estabelecimentos de saúde pode decorrer, em suma, de três tipos de atos. O primeiro deles é o ato extramédico, que corresponde aos serviços assistenciais/hospitalares propriamente ditos, inerentes a hospedagem ou assistência prestada ao paciente. Envolvem o dever de fornecer acomodação adequada, alimentação, conforto, manutenção e funcionamento regular dos equipamentos, etc. Havendo dano causado por defeito em ato extramédico, a responsabilidade do estabelecimento é objetiva, ou seja, dispensa a comprovação de que houve culpa no evento.

Os atos paramédicos são aqueles praticados pela enfermagem e outros profissionais de saúde, auxiliares ou colaboradores, sob orientação médica (aplicação de injeções, curativos, controle de temperatura, etc.). Os danos decorrentes destes atos ensejarão responsabilidade objetiva do estabelecimento apenas se a obrigação assumida for de resultado (exemplo do enfermeiro que não troca fraldas de paciente, lhe causando infecção). Se o ato paramédico indicar obrigação de meio (exemplo do paciente que tem a cicatrização de ferimento retardada por suposta imperícia do técnico de enfermagem que lhe aplica os curativos), será preciso demonstrar a culpa do agente no evento danoso.

O último tipo consiste nos atos essencialmente médicos, que são praticados exclusivamente por profissionais da medicina, pois exigem formação e conhecimento médicos. Em 2013, com a promulgação da Lei 12.842, o legislador definiu quais atividades são privativas do médico[1]. O dano causado por defeito neste tipo de ato pode ser caracterizado como erro médico.

O erro médico, portanto, consiste no ato essencialmente médico que, por culpa deste, causa dano ao paciente.

Observando que no conceito de erro médico há o elemento culpa, não é possível impor ao estabelecimento de saúde a responsabilidade objetiva pelos danos sofridos nestas situações. A atuação culposa do profissional integra a causa de pedir da pretensão indenizatória, de modo que será sempre necessário comprovar que houve negligência, imprudência, ou imperícia do profissional (responsabilidade subjetiva).

Há doutrinadores que negam a responsabilidade subjetiva dos hospitais e outros estabelecimentos de saúde em caso de erro médico, mas defendem que culpa deverá ser demonstrada para que reste caracterizado o defeito no serviço de que trata o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. A culpa também seria exigida para que haja nexo causal entre o atuar do médico e os serviços hospitalares/assistenciais.

Certo é que, seja pela aplicação da responsabilidade subjetiva, seja pela necessidade de se demonstrar o defeito no serviço ou o nexo causal, a responsabilidade do estabelecimento de saúde por erro médico nunca poderá ocorrer sem a devida comprovação da culpa.

A partir desta conclusão, reputa-se equivocado o entendimento jurisprudencial, exarado inclusive do Superior Tribunal de Justiça[2], de que ao hospital é vedado produzir prova pericial para atestar que não houve culpa na atuação no médico.

A aplicação irrestrita da responsabilidade objetiva aos estabelecimentos de saúde em casos de erro médico implica em responsabilizar tais empresas por quaisquer danos sofridos pelo paciente ao longo do tratamento. Entretanto, deve-se ter em mente que a atividade médica, por natureza, é ligada ao risco e possui grande potencial de causar danos, mesmo sem qualquer falha na conduta do profissional (danos iatrogênicos).

Não se pode admitir, ainda, a absurda hipótese na qual o estabelecimento de saúde é condenado por determinado evento e, em outro processo ajuizado por este contra o profissional (ação de regresso), seja comprovado através de perícia que não houve qualquer falha no ato médico.

É importante que a atividade médica e os serviços de saúde sejam tratados com a devida cautela pelo Poder Judiciário. Aos estabelecimentos de saúde deve ser assegurado o exercício amplo do contraditório, inclusive com produção de prova pericial nas ações que envolvem erros médicos.

As consequências negativas que advêm da multiplicação de condenações indevidas são diversas. Os serviços de saúde tendem a encarecer, estabelecimentos hospitalares que já possuem dificuldades de administração acabam encerrando suas atividades, e cria-se espaço para o aumento da medicina defensiva, quando o médico fica tolhido em sua atuação, evitando aplicar todas as técnicas à disposição para cura da enfermidade por receio de excessiva severidade na apreciação da sua responsabilidade.

Portanto, assegurar os meios adequados para defesa dos estabelecimentos de saúde e dos médicos em ações indenizatórias é medida que visa, em última análise, proteger os interesses de toda coletividade.

[1]  Entre os atos previsto no artigo 4º da Lei 12.842/2013, estão a indicação e execução da intervenção cirúrgica e prescrição dos cuidados médicos pré e pós-operatórios; e a indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos.

[2] REsp 801691/SP