201303.15
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Contribuições previdenciárias não incidem sobre verbas não remuneratórias

Por Marcos Pires, sócio-fundador do escritório Torres e Pires Advogados Associados

Nos últimos anos, foram submetidas ao Poder Judiciário inúmeras demandas através das quais contribuintes impugnavam a exigência de contribuições previdenciárias sobre determinadas verbas pagas a empregados (ex.: férias e respectivo adicional, aviso prévio indenizado, salário-maternidade, auxílio-doença pago até o 15° dia pelo empregador, auxílio-creche, vale-transporte em dinheiro).

Para melhor alcance da matéria, impende discorrer brevemente sobre aspectos normativos das contribuições previdenciárias.

A cobrança de contribuições previdenciárias, assim como de qualquer tributo, tem fundamento de validade na Constituição Federal, que, através do seu art. 195 (com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20, de 1998), estatuiu:

“A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro”
.

Foram fixadas, destarte, as possíveis bases de cálculo das contribuições sociais devidas pelo empregador (da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei): a) folha de salários e demais rendimentos do trabalho; b) receita ou faturamento; e, c) lucro.

No exercício de sua competência, o legislador ordinário federal editou a Lei n. 8.212/1991, veiculando as regras de incidência das contribuições sociais destinadas à Seguridade Social.

Como contribuição da empresa, o art. 22 da Lei n. 8.212/1991 estipulou:

“I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.
II – para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
III – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais que lhe prestem serviços;
IV – quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho”
.

Excetuando a contribuição prevista pelo inciso IV acima transcrito, interessa perquirir a natureza do pagamento realizado pela empresa para o seu empregado.

Se consubstanciar retribuição (salário, remuneração) do trabalho, o valor correspondente deve integrar a base de cálculo das contribuições previdenciárias devidas pela empresa (salário-de-contribuição).

Por outro lado, se a verba paga revelar caráter indenizatório, de reembolso de despesas, ou ainda decorrer de penalidade aplicada contra a empresa, não se submeterá a incidência das contribuições previdenciárias.

A despeito dessa simplória distinção, a Lei n. 8.212/1991 e o seu regulamento (Decreto n. 3.048/1999) incluem no salário-de-contribuição algumas parcelas que são pagas pela empresa aos empregados sem qualquer cunho retributivo.

Diante dessa ilegítima cobrança perpetrada pela Lei n. 8.212/1991 e por seu regulamento, impôs-se às empresas contribuintes a impugnação judicial de tal exigência, a fim de que fossem afastadas do salário-de-contribuição verbas não remuneratórias, como, por exemplo, os pagamentos efetuados a título de férias e respectivo adicional, aviso prévio indenizado, salário-maternidade, auxílio-doença pago até o 15° dia pelo empregador, auxílio-creche e vale-transporte.

Sempre sob o enfoque da natureza da verba paga pela empresa ao trabalhador, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça vêm consolidando decisões que afastam as contribuições previdenciárias da empresa em relação a parcelas pagas aos empregados e trabalhadores avulsos sem conteúdo remuneratório.

Há anos os tribunais rechaçam a cobrança de contribuição previdenciária sobre o adicional de 1/3 de férias (STF, RE 587941 AgR / SC; STJ, Pet 7.296-PE).

No último mês, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1322945/DF, alterou a jurisprudência até então dominante, decidindo que a contribuição previdenciária patronal não incide também sobre as parcelas de férias gozadas pelos empregados (quanto aos pagamentos relativos às férias não gozadas não há controvérsia posto que a própria legislação previdenciária afasta tal verba do salário-de-contribuição) e sobre o salário-maternidade, pois, se não há labor durante as férias nem durante a licença-maternidade, as verbas correspondentes recebidas pelo empregado não se caracterizam como retribuição ao trabalho e, consequentemente, não podem integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária devida sobre a folha de salários.

Sob fundamento idêntico, o STJ também pontificou a não incidência de contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado. A indenização devida ao trabalhador em virtude da ausência de aviso prévio acerca da resilição unilateral do contrato de trabalho não configura remuneração de trabalho efetivo, mas reparação do “dano causado ao trabalhador que não fora comunicado sobre a futura rescisão de seu contrato de trabalho com a antecedência mínima estipulada na CLT, bem como não pôde usufruir da redução na jornada de trabalho a que teria direito” (STJ, REsp 1.198.964-PR).

Também de acordo com o entendimento pacificado do STJ: “Não incide Contribuição Previdenciária sobre a verba paga pelo empregador ao empregado durante os primeiros quinze dias de afastamento por motivo de doença, porquanto não constitui salário, em razão da inexistência da prestação de serviço no período” (STJ, AgRg no AREsp 88704 / BA).

Sobre a natureza indenizatória do auxílio-creche e, destarte, a não incidência de contribuição previdenciária, o STJ, em 2005, editou a Súmula 310, asseverando que “O Auxílio-creche não integra o salário-de-contribuição”, jurisprudência ratificada no julgamento do REsp 1.146.772/DF.

Em 2010, o STF também deu a última palavra sobre a ilegitimidade da cobrança de contribuição previdenciária sobre o valor pago, em dinheiro, a título de vales-transporte, aos empregados (RE 478410/SP), pois mero ressarcimento de despesas, mostrando-se irrelevante, para a configuração da natureza de reembolso, a forma através da qual se consuma o pagamento (dinheiro, tíquete ou cartão eletrônico).

A par da distinção entre o caráter retributivo (salário, remuneração) e indenizatório (punitivo ou de reembolso), os tribunais vêm invocando outro fundamento para a definição da incidência ou não da contribuição previdenciária patronal: a repercussão da respectiva verba paga ao trabalhador no cálculo de sua aposentadoria ou da pensão de seus dependentes.

Assim, se as parcelas pagas pela empresa repercutem sobre os benefícios previdenciários do empregado, integra-se ao salário-de-contribuição; nada afetando o cálculo da aposentadoria ou da pensão, afasta-se a verba paga da base de cálculo da contribuição previdenciária.

Conclui-se, portanto, que somente se admite a exigência de contribuição previdenciária sobre verbas salariais (remuneratórias do trabalho) e que interfiram na aposentadoria do empregado ou na pensão dos seus dependentes, vedando-se, peremptoriamente, o cômputo de parcelas de indenização, de reembolso ou de penalidades na base de cálculo do tributo previdenciário.
Fonte:Torres e Pires – Advogados Associados