201402.07
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Justiça avalia ações contra redes de fast-foods sobre uso de glúten

Uma associação do Mato Grosso do Sul tem colocado diversas redes de fast-food como partes em processos que pedem a especificação sobre a presença de glúten nos alimentos. A Associação Brasileira de Defesa dos Consumidores de Plano de Saúde (Abracon-Saúde) já propôs, de acordo com seu presidente, Muriel Arantes Machado, cerca de 140 ações sobre o tema, mas obteve poucas vitórias até agora.

Dentre as companhias processadas estão grandes redes, como McDonald’s, Subway, Giraffas, Habib’s, China in Box e Lig Lig. A Abracon-Saúde pede que as empresas, além de informarem nas embalagens dos produtos a presença ou ausência de glúten, adotem medida similar à aplicada pela indústria tabagista, e destaquem por escrito que “a existência do glúten é prejudicial à saúde dos doentes celíacos”.

Segundo Machado, a associação propôs ações em cinco Estados e no Distrito Federal. “A Abracon-Saúde foi criada para combater a abusividade dos planos de saúde, mas no seu estatuto consta a defesa da saúde alimentar. Quando vimos essa falta de informação [sobre a presença de glúten], nós dedicamos toda a energia da associação para isso”.

A Justiça ainda não julgou o mérito das ações propostas pela Abracon-Saúde. Em pelo menos três casos, entretanto, as liminares foram concedidas, determinando que o Giraffas, o Habib’s e o Subway avisem seus clientes sobre a presença ou ausência de glúten, sob pena de multa diária. A frase relacionada ao risco da proteína aos celíacos também deverá estar presente nas “embalagens, rótulos e materiais de divulgação” dos alimentos comercializados pelas empresas.

A assessoria de imprensa do Habib’s informou que “oferece a seus clientes um cardápio composto por produtos que são preparados e servidos na hora, portanto não são servidos em embalagens”. A empresa afirmou ainda que “coloca à disposição em todas as suas lojas uma tabela informando quais alimentos contém glúten. A mesma informação está no site institucional e no cardápio on-line para os pedidos feitos pelo site”.

Ao contrário da Justiça do Alagoas, a 10ª Vara Cível de Brasília negou liminar para a associação ao analisar um dos pedidos contra o Habib’s. Para o relator do processo, a Lei nº 10.674, de 2003, que prevê a obrigatoriedade das expressões “contém Glúten” ou “não contém Glúten” nos produtos industrializados, não se aplica aos restaurantes. “Sabe-se que a especialidade do restaurante ‘fast-food’, ora requerido, são suas esfirras. Como viabilizar a informação escrita quando o garçom se dirige à mesa do cliente levando uma porção dessa especialidade que acabara de sair do forno?’, questiona o juiz Matheus Zuliani.

A advogada Maria Cecilia Cury Chaddad, que defendeu sua tese de doutorado sobre o direito à informação nos rótulos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), questiona a posição do magistrado. Para ela, apesar de a Lei nº 10.674 não trazer de forma literal a necessidade de restaurantes informarem sobre o glúten, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), determina que o consumidor tem direito à informação adequada sobre os produtos.

Maria Cecília destaca ainda que em outros países as leis que tratam do assunto não são restritas apenas aos produtos industrializados. “A lei argentina fala em produtos comercializados, e nos Estados Unidos se refere a todos os estabelecimentos que comercializam alimentos. No Canadá a lei cita alimentos embalados e na Nova Zelândia até os não embalados devem informar sobre o glúten”, diz.

Sobre a aplicação da Lei 10.674 ao setor de restaurantes, o Giraffas informou por meio de nota que “o texto legal expressamente fala em `indústrias alimentícias´, o que não é o caso de um restaurante de fast food, como o Giraffas. Todavia, em que pese não se tratarem de produtos industrializados, as informações `contém glúten´ ou `não contém glúten´ sempre estão presentes, tanto nos materiais de publicidade dos produtos Giraffas, quanto em seus cardápios nutricionais, de modo que os portadores de doença celíaca possuem ampla informação a respeito de quais produtos são ou não adequados ao consumo”.

Em outra liminar indeferida, desta vez contra a rede de comida chinesa Lig-Lig, a juiza Tonia Yuka Kôroku, da 13ª Vara Cível de São Paulo, considerou que “os bens já são comercializados da maneira apontada [sem a indicação sobre o glúten] há tempos e não houve nenhum tipo de reclamação junto aos órgãos administrativos competentes”.

Em muitos casos, entretanto, as ações propostas pela Abracon-Saúde foram extintas sem a análise do mérito. Isso porque um dispositivo da Lei nº 7.347, de 1985, que regulamenta a ação civil pública da área de consumo, determina que esse tipo de processo só pode ser ajuizado por associações com mais de um ano de existência, e as ações da Abracon-Saúde foram propostas apenas alguns meses após a criação da associação.

Para o presidente da associação, a concessão das liminares seria necessária porque apesar de os celíacos saberem que não podem consumir alimentos que contenham, dentre outros componentes, trigo, aveia e cevada, muitas vezes o glúten pode estar “escondido” nos produtos. “O feijão não tem glúten, mas para engrossar o caldo os restaurantes às vezes põem farinha de trigo”, diz Machado.

A possibilidade de a lei que trata das informações sobre o glúten ser aplicada a restaurantes, entretanto, divide opiniões. “Dependendo do tipo do restaurante, tudo é feito artesanalmente. É difícil imaginar um restaurante atendendo a uma solicitação desse tipo”, afirma a advogada Mariana Denuzzo, do Brasil Salomão e Matthes Advocacia.
Fonte:Valor Econômico, por Bárbara Mengardo