201403.31
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Mineradoras e produtoras de etanol lutam para evitar recuperação judicial

O Brasil assistiu à maior quebra empresarial da história no ano passado, mas outras menores ainda podem vir pela frente.

À medida que a economia enfraquece, abalando a confiança dos investidores, uma série de empresas, que adquiriram dívidas pesadas durante o boom de crescimento do país, prepara-se agora para seguir os passos das companhias do magnata Eike Batista rumo à recuperação judicial, segundo investidores especializados em dívidas podres, executivos de bancos e profissionais da área de reestruturação corporativa.

Ainda assim, nada próximo do colapso do império de Batista é esperado.

A economia brasileira cresceu apenas 2,3% em 2013, comparado com 7,5% em 2010. O país também luta para controlar uma inflação persistentemente alta, que vem obrigando o banco central a elevar os juros.

Empresas dos setores de álcool e mineração estão entre as que vêm batalhando para se manter à tona, enquanto a economia do país tenta reverter a trajetória de desaceleração.

“Com os preços das commodities caindo em alguns setores e a economia desacelerando, vemos um aumento na atividade [de reestruturação] e prevemos que isso continue no resto deste ano e no próximo”, diz Richard Cooper, sócio da Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP, firma especializada em reestruturações nacionais e internacionais, especialmente na América Latina.

As empresas brasileiras em dificuldade têm estado mais abertas a buscar proteção judicial desde que o Brasil, em 2005, mudou a sua lei de concordatas para permitir que as empresas se reestruturassem em vez de serem liquidadas. Desde então, o número de empresas que procuram a recuperação judicial cresceu quase todos os anos. Em 2013, 874 empresas entraram com pedido de recuperação judicial no Brasil, ante 252 em 2006, o primeiro ano completo depois que a lei entrou em vigor, segundo números compilados pelo provedor de dados de crédito Serasa Experian. No mesmo período, os pedidos de falência caíram pela metade, de mais de 4.000 em 2006 para menos de 2.000 no ano passado, à medida que mais empresas optaram por reestruturar seus negócios sob a supervisão dos tribunais de recuperação judicial.

Os produtores brasileiros de etanol, em particular, têm andado sob forte pressão nos últimos meses. Eles sofrem os efeitos do teto que o governo impõe sobre os preços da gasolina, que derruba os preços do álcool. A firma Alvarez & Marsal informou que o setor agrícola, representado principalmente por empresas de etanol, responde por cerca de 20% de seus clientes de reestruturação no Brasil.

“O governo está ganhando votos às custas […] principalmente do setor de etanol”, diz Joel Thomaz Bastos, advogado do escritório Dias, Arystóbulo, Flores, Sanches e Thomaz Bastos, em São Paulo. Autoridades do governo brasileiro não responderam aos pedidos de comentários.

Bastos representa o produtor de açúcar e etanol de médio porte Aralco SA Açúcar e Álcool, que entrou com pedido de recuperação judicial no Brasil no fim de fevereiro, depois de acumular uma dívida de R$ 1,8 bilhão.

A Aralco emitiu US$ 250 milhões em dívida em meados do ano passado, conseguindo se comprometer a pagar uma taxa de juros razoável pouco antes da debandada dos investidores, que começaram a vender títulos do governo brasileiro em meio a temores de que a classificação de crédito do país pudesse ser rebaixada. Menos de um ano depois, alguns dos títulos de dívida da empresa estão sendo negociados a cerca de 15% do valor de face.

O grupo Virgolino de Oliveira SA, que compra, cultiva e esmaga a cana para a produção de açúcar e etanol, também enfrentou dificuldades. Embora a empresa, conhecida como GVO, tenha efetuado recentemente o pagamento de juros de um de seus títulos de dívida, ela não teria condições, caso precisasse, de emitir novos títulos internacionais porque o apetite do investidor diminuiu, disse Carlos Otto Laure, diretor financeiro da empresa, em entrevista ao The Wall Street Journal.

A GVO deve cerca de US$ 600 milhões para credores no Brasil, Estados Unidos, Europa e Ásia. Segundo Laure, o financiamento da dívida por um investidor privado seria uma opção, caso a empresa quisesse. Alguns dos títulos de dívida da GVO estão sendo negociados a cerca de 55 centavos por dólar de valor de face. Assessores de reestruturação dizem que estão acompanhando de perto a empresa. Laure, no entanto, disse que a GVO não cogita pedir recuperação judicial.

Algumas empresas brasileiras de mineração também foram duramente golpeadas nos últimos anos pelo aumento dos custos de extração de matérias-primas e da mão de obra e pelo aperto no crédito, diz Cooper, da firma Cleary Gottlieb Steen & Hamilton.

As mineradoras de ouro Jaguar Mining e Mirabela Nickel, ambas em dificuldade financeira, estão trabalhando com credores para reestruturar suas dívidas. Embora esteja reestruturando sua dívida na Austrália, a Mirabela informou em documentos apresentados aos reguladores daquele país que um processo de recuperação judicial no Brasil também será necessário.

Empresas brasileiras em dificuldades ainda têm que lidar com as incertezas em torno da lei de reestruturação do país. Mesmo depois de duas peças-chave do enorme império de Batista, a OGX Petróleo e Gás Participações SA (agora chamada Óleo e Gás Participações SA) e a empresa de construção naval OSX Brasil SA, terem entrado com pedido de recuperação judicial em 2013, algumas empresas ainda temem o estigma do processo, dizem especialistas.

“Nos EUA, todo o processo de recuperação judicial é mais maduro e as empresas se sentem mais à vontade em buscar proteção mais cedo”, diz Marcos Spieler, diretor da unidade brasileira do banco de investimento Rothschild Inc.

E, apesar de a lei de recuperação judicial, que dá às empresas espaço para se reestruturar, estar em vigor há nove anos, os pedidos feitos pelas companhias de Batista estão sendo considerados seu primeiro grande teste. A OGX, por exemplo, ainda não foi capaz de implementar o acordo de reestruturação que fechou com os credores em dezembro, disse uma pessoa a par do assunto.
Fonte:Valor Econômico, por Emily Glazer e Luciana Magalhães