201409.29
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Responsabilidade exclusiva do tomador do serviço pelo recolhimento do ISS no Município do Salvador (Regra confirmada por expressas exceções)

O Município do Salvador, por conveniência da fiscalização dos seus tributos, instituiu, através do art. 99 e seguintes da Lei Municipal n. 7.186/2006, o regime jurídico da substituição tributária, atribuindo aos tomadores de serviço (qualificados como substitutos tributários) o dever de proceder à retenção e ao recolhimento do ISS incidente sobre os serviços tomados.

A doutrina especializada(1) elenca três importantes motivos que justificam a adoção do regime da substituição tributária:

– dificuldade em fiscalizar contribuintes extremamente pulverizados;
– necessidade de evitar, mediante a concentração da fiscalização, a evasão fiscal ilícita; e
– medida indicada para agilizar a arrecadação e, consequentemente, acelerar a disponibilidade dos recursos.

Não há dúvida sobre a conveniência de concentrar a fiscalização do ISS sobre os tomadores de serviço, numericamente inferiores aos “pulverizados” prestadores.

Assim, por razões de praticidade, comodidade na arrecadação, garantia do crédito e proteção contra a evasão, o legislador municipal elegeu o tomador do serviço como responsável pelo crédito tributário do ISS, “em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo”(2) , isto é, do prestador de serviço.

Impôs-se ao tomador de serviço o dever exclusivo de proceder à retenção e ao recolhimento do ISS incidente sobre os serviços tomados, afastando-se, por conseguinte, a responsabilidade tributária do prestador.

Como adverte José Eduardo Soares de Melo: “Na substituição – num plano pré-jurídico – o legislador afasta, por completo, o verdadeiro contribuinte, que realiza o fato imponível, prevendo a lei – desde logo – o encargo da obrigação a uma outra pessoa (substituto), que fica compelida a pagar a dívida própria, eis que a norma não contempla dívida de terceiro (substituído)”(3).

No mesmo sentido é a lição de Sacha Calmon Navarro Coêlho: “O que a doutrina chama de substituto é na realidade o único contribuinte do tributo (o fenômeno da ‘substituição’ começa em momento pré-jurídico, o da escolha pelo legislador do obrigado legal, em substituição ao que demonstra capacidade contributiva, por razões de eficácia e comodidade)”(4).

Portanto, diante da opção política do Município do Salvador, é do tomador – e não do prestador de serviço – o dever exclusivo de recolher o ISS.

Ressalte-se que, a despeito da faculdade conferida aos municípios pelo art. 6° da Lei Complementar n. 116/2003, de, mediante lei, “atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”, o legislador soteropolitano optou por atribuir ao prestador de serviço a responsabilidade supletiva pela obrigação tributária de pagar o ISS apenas e tão somente “quando os tomadores indicados nos incisos I, II, VI, XI, XV, XVII, XVIII, XX, XXII e XXVIII, do art. 99 não procederam à retenção do imposto respectivo”(5).

No ordenamento jurídico do Município do Salvador, destarte, a regra é que o tomador de serviço responsabiliza-se exclusivamente pelo recolhimento do ISS incidente sobre os serviços que lhe são prestados.

Excepcionalmente, pode o prestador de serviço ser responsabilizado, de forma supletiva (subsidiária), pelo pagamento do ISS, desde que preenchidos, conjuntamente, os dois pressupostos estipulados pelo art. 101 do CTRMS:

– Tomador do serviço enquadrado em algum dos incisos I (as pessoas jurídicas beneficiadas por imunidade tributária), II (as entidades ou órgãos da administração direta, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista do poder público federal, estadual e municipal), VI (os condomínios comerciais e residenciais), XI (a pessoa jurídica tomadora ou intermediária dos serviços descritos nos subitens 3.04, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.11, 7.12, 7.14, 7.15, 7.17, 11.02, 11.04, 16.01, 17.05, 17.09, e no item 20, da Lista de Serviços anexa, observado, em relação ao item 20, o disposto no § 1º do art. 85 do CTRMS), XV (as empresas administradoras de consórcios), XVII (os shopping centers e centros comerciais acima de 30 lojas), XVIII (as operadoras de cartões de crédito) , XX (empresas de previdência privada), XXII (as empresas que explorem serviços de planos de medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres, ou outros planos que se cumpram através de serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do plano, mediante indicação do beneficiário) e XXVIII (as companhias de aviação), do art. 99 do CTRMS; e

– Ausência de retenção do ISS pelo tomador de serviço.

A regra de responsabilidade exclusiva do tomador do serviço pelo recolhimento do ISS é também excepcionada pela norma veiculada pelo art. 102 do CTRMS, que estende, supletivamente, a obrigação tributária ao prestador do serviço que der causa à falta de retenção do imposto ou retenção com insuficiência, quando omitir ou prestar declarações falsas, falsificar ou alterar quaisquer documentos relativos à operação tributável, estiver amparado por liminar em processo judicial que impeça a retenção do imposto na fonte, ou induzir, de alguma outra forma, o substituto tributário, a não retenção total ou parcial do tributo.

Ausente qualquer uma das hipóteses elencadas pelos art. 101 e 102 do CTRMS, não há de se cogitar de responsabilidade supletiva (subsidiária) do prestador de serviço.

Se os tomadores de serviço procedem à retenção do ISS, não se pode sequer pressupor a responsabilidade supletiva (subsidiária) da prestadora de serviço, não apenas porque ausente o segundo requisito estipulado pelo art. 101 do CTRMS, mas especialmente porque exigir o tributo de quem já fora onerado pela retenção consubstanciaria induvidosa afronta à capacidade contributiva da prestadora de serviço, incorrendo em verdadeiro confisco.

Promovida a retenção, compete à Administração Tributária do Município do Salvador fiscalizar se o ISS retido foi também recolhido pelo tomador de serviço, descabendo qualquer tentativa de imputação ao prestador do dever de pagar o imposto.

Reitere-se que a atribuição ao tomador de serviço do dever de recolher o ISS foi opção política do município soteropolitano.

Enfim, não se pode penalizar o prestador de serviços se o tomador retém e não recolhe ou recolhe o imposto para outros municípios.

Oportuno invocar a posição judicial consagrada pelo Superior Tribunal de Justiça, de que “existindo a obrigação tributária, é evidente que, uma vez acolhida a utilização/aplicação, na prática, da substituição tributária mencionada – vista como uma modalidade de alteração do sujeito passivo – tem-se que quem sofre a retenção (Demandante) não perde a condição de contribuinte, no entanto, não mais lhe deve ser imputada a tarefa de recolher o imposto”(6).

Ademais, se os tomadores dos serviços (enquadrados em um dos incisos do art. 99, elencados pelo art. 101 do CTRMS) não efetuassem a retenção do ISS, a responsabilidade tributária da prestadora seria supletiva, ou seja, subsidiária.

Tratando-se de responsabilidade tributária supletiva, impor-se-ia sempre – antes de exigir o tributo diretamente do prestador responsável subsidiário – fiscalizar e cobrar o imposto do substituto tributário.

Apenas se e quando configurado o inadimplemento do substituto tributário, poderia o fisco municipal (preenchidos, por óbvio, os requisitos do art. 101 do CTRMS) exigir o ISS – supletivamente, subsidiariamente – do prestador de serviço.

Absolutamente ilegítimo, portanto, que a Administração Tributária do Município do Salvador se volte exclusivamente contra a prestadora de serviços sem realizar qualquer fiscalização dos substitutos tributários, primeiros e, em regra, únicos responsáveis pelo recolhimento do ISS em território soteropolitano.


(1) LUÍS CESAR SOUZA DE QUEIROZ, Sujeição Passiva Tributária, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1998, p. 199.
(2) ALFREDO AUGUSTO BECKER, Teoria Geral do Direito Tributário, São Paulo, Saraiva, 1972, pp. 503 e segs.
(3) JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, ICMS, Dialética, São Paulo, 2005, p.167.
(4) SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Curso de Direito Tributário Brasileiro, Editora Forense, 4ª edição, Rio de Janeiro, 1999, p. 604.
(5) Art. 101 da Lei Municipal n. 7.186/2006 (Código Tributário e de Rendas do Município do Salvador).
(6) STJ, Agravo de Instrumento 1.359.783 – RN, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe: 07/12/2010.

Fonte: Torres e Pires Advogados Associados