201408.04
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A imunidade tributária das entidades filantrópicas e a possibilidade de remuneração dos seus diretores e dirigentes estatutários após o advento da Lei n. 12.868, de 2013

Por Marcos Pires, Sócio-fundador do escritório Torres e Pires Advogados Associados

As regras de imunidade, como se infere do próprio título da seção em que estão inseridas na Constituição Federal de 1988, caracterizar-se-iam como “limitações constitucionais ao poder de tributar”, expressão doutrinária consagrada pelo direito positivo.

Rigorosamente, porém, a norma imunizante não se consubstancia em limitação, e sim, delineamento negativo da competência tributária. O legislador constituinte não outorga o poder de instituir tributos e, sucessivamente, limita-o, vedando a instituição de exações sobre determinados eventos ou em relação a determinadas pessoas. A competência tributária é atribuída aos entes políticos nos moldes já definidos pela Constituição, ou seja, o poder de instituir tributos é delimitado, de uma só vez, positiva e negativamente através das normas constitucionais.

Trata-se, pois, de técnica jurídica utilizada pelo legislador constituinte a fim de prestigiar e promover objetivos constitucionalmente albergados pelo ordenamento normativo brasileiro, tais como, o princípio federativo, resguardado pela norma que veda às pessoas políticas a instituição de impostos sobre “patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros” (CF, art. 150, VI, a); o princípio da liberdade de crença e culto, ao negar-se poder para instituir impostos sobre “templos de qualquer culto” (CF, art. 150, VI, b); a democracia e o pluralismo político, os valores sociais do trabalho e a liberdade de associação, o direito à educação, e a solidariedade e a assistência social, acobertados todos pela regra que impede o exercício da competência impositiva sobre “patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei” (CF, art. 150, VI, c); e também o direito de expressão e a liberdade de imprensa, viabilizados mediante a ausência de poder para instituir impostos sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”.

Não se pode olvidar de que o móvel da norma imunizante é sempre a proteção de valores – positivamente contemplados pela ordem constitucional – sobre os quais, inclusive, fundamentam-se a República Federativa do Brasil e o Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º).

Desse modo, o aplicador do direito deve sempre proceder “à interpretação teleológica das normas de imunidade tributária, de modo a maximizar-lhes o potencial de efetividade, como garantia ou estímulo à concretização dos valores constitucionais que inspiram limitações ao poder de tributar” (STF, Pleno, RE 237.718-6/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, D.J.: 06.09.2001).

Pois bem, definido o conceito de imunidade, trate-se agora da regra prevista pelo art. 195, §7º, da Constituição Federal, que, a despeito da utilização do termo “isenção”, assegura a imunidade das entidades beneficentes de assistência social em relação às contribuições para a Seguridade Social.

A Carta Constitucional de 1988 insere, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”; “erradicar a pobreza e a marginalidade e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, bem como, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (CF, art. 3º, incisos I, III e IV).

Estatui também a Constituição que a “assistência social será prestada a quem dela necessitar” (CF, art. 203, caput), tendo por objetivos: “a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice”; “o amparo às crianças e adolescentes carentes”; “a promoção da integração ao mercado de trabalho”; “a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a sua promoção de sua integração à vida comunitária”; e “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem que não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei” (CF, art. 203, incisos I a V).

Não apenas ao Estado, todavia, cumpre promover a assistência social. É imprescindível a colaboração de instituições privadas, que, em conjunto com os órgãos públicos e as entidades paraestatais, garantam a efetiva dignidade da pessoa humana.

Destarte, orientando-se pelo vetor axiológico de incentivo à assistência social, a ordem normativa concede às pessoas privadas dispostas a exercer a atividade assistencial uma gama de privilégios, a fim de que reste viabilizada a tarefa à qual se propõem as referidas entidades.

Dentre os benefícios outorgados às instituições de assistência social, encontra-se a não submissão de seu patrimônio, renda ou serviços à incidência de impostos (CF, art. 150, c) e de contribuições sociais (CF, art. 195, §7º), “atendidos os requisitos da lei” e observados também o requisito elencado pela própria Constituição de que as entidades não possuam fins lucrativos (CF, art. 150, c).

A imunidade das instituições de assistência social é subordinada ao preenchimento de alguns requisitos, sem os quais se obstrui o pleno exercício do direito à imunidade.

O primeiro dos requisitos a ser observado pela entidade assistencial é a ausência de fins lucrativos.

Deve-se ressaltar, desde logo, que a proibição de finalidade lucrativa não equivale à proibição de resultado positivo. Não se exige que as instituições de assistência social prestem, integralmente, serviços gratuitos, até porque são necessários, obviamente, recursos para atendimento de seus objetivos estatutários. As atividades – essenciais ou secundárias – devem ser, contudo, desenvolvidas sem o objetivo de auferir lucros, pelo que todo e qualquer superávit há de ser aplicado para a consecução das finalidades essenciais da instituição.

Nessa linha de raciocínio, apropriado é o argumento de Ives Gandra da Silva Martins, no sentido de que: “Quanto maior a capacidade econômica da entidade imune, melhor para o Estado, uma vez que ela atenderá de maneira mais eficiente aos fins institucionais, de forma a colaborar com o próprio Estado” (in Revista Dialética de Direito Tributário 38/109).

Além de exigir, para o efetivo gozo da imunidade, que o eventual resultado financeiro positivo seja revertido ao implemento das atividades assistenciais, a Constituição de 1988 restringe o domínio eficacial da norma imunizante somente ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com as finalidades essenciais da instituição.

A regra introduzida pelo parágrafo 4º do art. 150, da Carta Constitucional – no passado, objeto de exegese restritiva e, por consequência, desconforme aos fins constitucionalmente positivados – é hodiernamente interpretada “de modo a maximizar-lhes o potencial de efetividade, como garantia ou estímulo à concretização dos valores constitucionais que inspiram limitações ao poder de tributar” (STF, Pleno, RE 237.718-6/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, D.J.: 06.09.2001).

A norma constitucional sob exame não afasta os efeitos da imunidade quando o patrimônio não é utilizado para o exercício da atividade principal, ou quando a renda não é obtida pela prestação da atividade primordial, ou ainda, quando os serviços não se caracterizam como a atividade essencial da instituição.

Em verdade, na maioria das vezes, a execução de atividades paralelas e acessórias é imprescindível à realização eficiente da atividade essencial, no caso, a promoção da assistência social. Não se pode pretender limitar a eficácia imunizante, autorizando a instituição de impostos ou contribuições sociais sobre as aludidas atividades secundárias, tendo em conta que onerar tais atividades inviabiliza ou, no mínimo, torna menos eficiente a prestação do serviço assistencial, desprestigiando, consequentemente, os valores albergados pelo sistema normativo constitucional brasileiro.

Relevante, para efeito da norma de imunidade, é que todas as atividades paralelas sejam sempre executadas em prol da atividade assistencial, ou seja, devem ser acessórias à consecução da assistência social, exigindo-se, por essa razão, que todo o ingresso financeiro decorrente das atividades secundárias seja aplicado no financiamento do serviço solidário.

Outra não pode ser a exegese da regra contida no parágrafo 4º, do art. 150, da Constituição, pois, consoante o escólio de Luciano Amaro: “Seria um dislate supor que ‘rendas relacionadas com as finalidades essenciais’ pudesse significar, restritivamente, rendas produzidas pelo objeto social da entidade. Freqüentemente, o atendimento do objeto social é motivo para despesas e não de fonte de recursos. Fosse aquele o sentido, qualquer fonte de custeio da entidade que não derivasse dos próprios usuários de seus serviços ficaria fora do alcance da imunidade” (in Ives Gandra – coord. -, Imunidades Tributárias, CEU/RT, 1998, p. 143/151).

Impende asseverar, inclusive, nos termos do parecer da lavra de Ives Gandra da Silva Martins e de Marilene Talarico Martins Rodrigues acerca imunidade tributária das entidades de assistência social, que, para instituição de tal natureza “cumprir tais objetivos institucionais, necessita de recursos que advém de doação, contribuições, etc, além de aluguéis dos imóveis que constituem o patrimônio da entidade e são integralmente aplicados em seus objetivos sociais e ainda são insuficientes, em razão do grande número de desassistidos” (in Revista Dialética de Direito Tributário nº 83, 2002, Ed. Dialética, p. 172).

No mesmo sentido são os ensinamentos de Clélio Chiesa, segundo o qual:

“É inconcebível pretender restringir o alcance da imunidade em questão às entidades que prestam de forma gratuita seus serviços, pois isso representaria o esvaziamento da referida hipótese de imunidade. Uma exegese de tal ordem frustra o desiderato pretendido pelo constituinte com a instituição da mencionada imunidade, consistente em estimular que outras pessoas prestem serviços de assistência social visando auxiliar o Estado a cumprir o seu fim institucional de assistir os hipossuficientes.
Dessarte, a gratuidade dos serviços prestados não é elemento essencial para a caracterização das entidades beneficentes. Para tanto, basta, tão somente, que as atividades sejam desenvolvidas sem o objetivo de auferir lucros, ou seja, que o eventual superávit seja todo reinvestido nos fins institucionais da entidade”
(in Revista Dialética de Direito Tributário nº 70, 2001, Ed. Dialética, p. 29).

Além da ausência de fins lucrativos, outros requisitos são estipulados pela lei (atualmente a Lei n. 12.101, de 2009) para que se reconheça a isenção (imunidade) do pagamento das contribuições destinadas à Seguridade Social (contribuições previdenciárias patronais, COFINS e contribuição ao PIS).

Exige-se inicialmente a certificação da entidade beneficente de assistência social perante o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (quando se tratar de entidade de assistência social), através de procedimento específico, cabendo à interessada a demonstração de que:

a) é constituída regularmente como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos;
b) prevê, em seu ato constitutivo (estatuto social), em caso de dissolução ou extinção, a destinação do eventual patrimônio remanescente a entidades sem fins lucrativos congêneres ou a entidade pública;
c) obedece ao princípio da universalidade do atendimento, não dirigindo suas atividades exclusivamente a seus associados ou a categoria profissional;
d) presta serviços ou realiza ações socioassistenciais, de forma gratuita, continuada e planejada, para os usuários e para quem deles necessitar, sem discriminação, observada a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei n. 8.742, de 1993);
e) está inscrita no Conselho Municipal de Assistência Social (ou no Conselho Estadual, se não houver Conselho de Assistência Social no seu Município).

De forma supletiva, para a obtenção da certificação, a entidade pode comprovar o seu vínculo ao Sistema Único de Assistência Social – SUAS, dependendo, de qualquer modo, da formalização de prévio requerimento perante o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Devidamente certificada, a entidade beneficente de assistência social estaria “isenta” do pagamento das contribuições destinadas à Seguridade Social, desde que atendesse, cumulativamente, outros requisitos estatuídos pelo art. 29 da Lei n. 12.101, de 2009 (em sua redação original):

a) não percepção pelos diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, de remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;
b) aplicação de suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais;
c) apresentação de certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e de certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;
d) escrituração contábil regular que registre as receitas e despesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada, em consonância com as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade;
e) ausência de distribuição de resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto;
f) conservação em boa ordem, pelo prazo de 10 (dez) anos, contado da data da emissão, dos documentos que comprovem a origem e a aplicação de seus recursos e os relativos a atos ou operações realizados que impliquem modificação da situação patrimonial;
g) cumprimento das obrigações acessórias estabelecidas na legislação tributária;
h) demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade quando a receita bruta anual auferida for superior ao limite fixado pela Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006 (atualmente R$ 3.600.000,00).

Recentemente, porém, a Lei n. 12.868, de 15 de outubro de 2013, em prestígio da profissionalização das entidades filantrópicas e sua maior eficiência, alterou a redação do inciso I do art. 29 da Lei n. 12.101, de 2009, passando a assegurar a “isenção” do pagamento das contribuições destinadas à Seguridade Social mesmo às entidades beneficentes de assistência social que remunerem os seus diretores (não estatutários que tenham vínculo empregatício) e também os seus dirigentes estatutários, desde que tal remuneração observe as regras veiculadas pelos §§1°, 2° e 3°, incluídos ao art. 29 da Lei n. 12.101, de 2009, pela Lei n. 12.868, de 2013.

Assim, a partir da vigência da Lei n. 12.868, de 15 de outubro de 2013, não mais se constitui óbice para o gozo da “isenção” das contribuições sociais a remuneração paga aos diretores empregados nem aos dirigentes estatutários, exigindo-se, todavia, que o valor bruto da remuneração dos dirigentes estatutários (e não dos diretores empregados) seja inferior a 70% (setenta por cento) do limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo federal (atualmente R$ 29.462,25).

Demais disso, é vedada a remuneração de dirigente estatutário que seja cônjuge ou parente até 3o (terceiro) grau, inclusive afim, de instituidores, sócios, diretores, conselheiros, benfeitores ou equivalentes da instituição, proibindo-se também que o total pago a título de remuneração para dirigentes, pelo exercício das atribuições estatutárias, seja superior a 5 (cinco) vezes o valor correspondente ao limite individual (5 X 70% do limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo federal).

Por fim, deve-se salientar que, após a Lei n. 12.868, de 15 de outubro de 2013, admite-se que a entidade “isenta” remunere uma mesma pessoa que exerça cumulativamente a função de dirigente estatutário e de diretor empregado, exceto se houver incompatibilidade de jornadas de trabalho.

Conclui-se, portanto, que a instituição filantrópica, desde que obtenha a certificação de entidade beneficente de assistência social e demonstre, cumulativamente, os demais requisitos estipulados pelo art. 29 da Lei n. 12.101, de 2009, todos expressamente acima elencados, poderá usufruir da “isenção” do pagamento das contribuições destinadas à Seguridade Social (contribuições previdenciárias patronais, COFINS e contribuição ao PIS) ainda que remunere os seus diretores com vínculo empregatício e também o seu Diretor Executivo e o seu Diretor Geral (dirigentes estatutários), observando-se, contudo, as regras dos §§1°, 2° e 3°, introduzidas ao art. 29 da Lei n. 12.101, de 2009, pela Lei n. 12.868, de 2013. Fonte:Torres e Pires Advogados Associados