Carf decide sobre tributação de valores em conta garantia
Uma decisão inédita do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) determinou que só incidirá Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) sobre ganho de capital, resultante da compra e venda de bens e ações, cujos valores foram depositados em conta garantia (a chamada escrow account), quando ocorrer a efetiva disponibilidade econômica ou jurídica do dinheiro.
O contribuinte ganhou o julgamento por unanimidade na 2ª Câmara, da 2ª Turma Ordinária. O caso envolve o executivo Farid Curi e a venda da sua participação na empresa Atacadão ao grupo Carrefour. Inicialmente, a operação havia sido acertada por R$ 491 milhões, mas esse valor dependeria de ajustes, para mais ou menos, quando o negócio fosse efetivado.
Em 30 de abril de 2007, o comprador depositou para o executivo R$ 310 milhões em uma conta no banco Safra e R$ 147 milhões no Citibank. O restante, R$ 33 milhões, foi retido pelo comprador e depositado em conta caução para garantir o ajuste de preço de aquisição. Na ocasião, o contribuinte recolheu o Imposto de Renda sobre os valores depositados, mas não sobre a caução. Segundo a defesa de Curi, esse montante não estava disponível em sua conta.
Depois que o negócio foi efetivado, em setembro de 2007, e os ajustes foram feitos, o executivo teria recebido apenas R$ 13 milhões desse montante, pelos quais recolheu R$ 2 milhões de IR. A Receita Federal, porém, autuou o executivo em cerca de R$ 10 milhões, com multas e correções por não pagar o imposto sobre os R$ 33 milhões.
Segundo o relator, conselheiro Marco Aurélio de Oliveira Barbosa, a fiscalização estaria equivocada ao tributar o valor na conta garantia. “O contribuinte não possuía em 30 de abril de 2007, disponibilidade econômica ou jurídica sobre essa quantia”, diz.
O conselheiro ainda citou a Solução de Consulta nº 58, de 27 de agosto de 2013, editada pela Superintendência da Receita Federal do Brasil da 4ª Região Fiscal (Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte) nesse mesmo sentido de que os valores depositados em conta garantia só podem ser tributados quando há efetiva disponibilidade econômica ou jurídica do montante.
O advogado que defendeu Farid Curi no Carf, Marlano Goulart, do Franceschini Advogados Associados, afirma que a decisão foi muito positiva porque não analisou somente a questão legal, mas os termos do contrato. Fato que permitiu aos conselheiros concluírem que havia previsão de que o valor depositado na conta garantia não estava disponível e, por isso, não haveria incidência do tributo.
O uso da conta garantia tem sido comum na realização de negócios, segundo o advogado Pedro Moreira, do Celso Cordeiro e Marco Aurélio de Carvalho Advogados. E sua liberação fica condicionada ao cumprimento de condições previstas em contrato, como potenciais passivos tributários e trabalhistas do vendedor ou da empresa envolvida na operação societária. Para ele, a Receita não poderia exigir o IR no momento do depósito, uma vez que o contribuinte só terá disponibilidade econômica ou jurídica do valor, quando cumpridas as condições do contrato.
Ainda que exista solução de consulta e decisões favoráveis aos contribuintes em primeira instância, como na Delegacia Federal de Belo Horizonte, os autos de infração continuam sendo lavrados, segundo Moreira.
Para ele, seria necessária a editada de uma solução de consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita sobre o tema, ratificando o entendimento favorável ao contribuinte, o que produziria efeitos vinculantes e impediria novas autuações. Moreira, porém, acredita ser necessária a avaliação caso a caso.
O advogado Gustavo Xavier, sócio do JCMB Advogados e Consultores, ressalta que a decisão do Carf está inserida em um cenário de novas autuações realizadas pelo Fisco, com ênfase no aspecto societário. Estão no foco as fusões e aquisições e a remuneração de diretores, como a tese da incidência de contribuição previdenciária sobre o seguro de responsabilidade civil, recentemente julgada pelo conselho.
A decisão sobre a conta garantia, para Xavier, é relevante porque o mercado instituiu o seu uso para facilitar as operações, já que um dos entraves para a realização dos negócios estava no valor dos passivos que podem surgir na compra de uma empresa, por exemplo, ainda que se faça uma auditoria. “A parte controvertida costuma ficar na conta garantia atrelada a prazos decadenciais que possam sofrer eventuais cobranças”, diz.
O advogado Alessandro Mendes Cardoso, do Rolim, Viotti & Leite Campos, considera a decisão do Carf correta. Segundo ele, o artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN) determina que só a disponibilidade jurídica ou econômica do rendimento permite a sua tributação pelo IR. Já o artigo 117 determina que se o negócio jurídico está vinculado a uma condição suspensiva, apenas quando ocorrida a condição prevista, o mesmo será considerado perfeito e acabado para fins de tributação. “No caso da conta caução, somente quando houver a liberação total ou parcial para livre disponibilização ao beneficiário é que haverá rendimento tributável. Inclusive porque o negócio pode não se confirmar nesses termos, impedindo o recebimento do valor depositado” diz.
As assessorias de imprensa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e da Receita Federal não retornaram até o fechamento desta edição.
Fonte: Valor Econômico