Multa diária por descumprimento judicial: a partir de quando é possível cobrar?
As astreintes, multas aplicadas pelo juiz para compelir o devedor a determinada obrigação, tem origem no Direito Francês, e possuem natureza não de sanção, mas de medida coercitiva e inibitória.
Não restam dúvidas de que a aplicação de multa coercitiva é um importante instrumento processual para garantir a efetividade de decisões judiciais, especialmente aquelas proferidas em tutela de urgência (liminares, cautelares, e antecipatórias). O Código de Processo Civil, inclusive, permite que a multa seja fixada sem o requerimento da parte, uma vez que está em jogo não só o interesse particular, mas também a autoridade do Poder Judiciário.
As astreintes foram inseridas na legislação processual brasileira a partir da reforma de 1994. Diversas questões que envolvem o tema, contudo, permaneceram lacunosas no texto legal, cabendo à jurisprudência, em especial do Superior Tribunal de Justiça, dirimir as controvérsias que surgiram com a aplicação da multa coercitiva.
Neste contexto, o STJ pacificou o entendimento de que a multa deve ser revertida em favor do demandante e não do Estado(1), e de que é imprescindível a intimação pessoal do devedor para sua cobrança(2).
Recentemente, no julgamento do Resp 1.200.856, o STJ buscou pôr fim à discussão acerca do momento a partir do qual as astreintes podem ser cobradas. O julgamento foi feito em sede de Recurso Representativo de Controvérsia, técnica utilizada pelos tribunais superiores para definir teses em casos em que há um grande número de recursos individuais com fundamento em idêntica questão de direito. O julgamento de um caso concreto, assim, fixa uma tese que deverá ser observada em todos os outros processos que tragam a mesma discussão.
A decisão confrontou três posicionamentos diferentes sobre o tema, todos eles com respaldo doutrinário e que vinham sendo aplicados pelo próprio Superior Tribunal de Justiça em seus julgados.
O primeiro entendimento é o de que a multa pode ser executada provisoriamente de forma incondicional, ainda que sobrevenha sentença que não confirme a medida liminar concedida anteriormente. Para fundamentar esta possibilidade, os adeptos da tese argumentam que se o sistema processual permite a antecipação do provimento judicial pretendido pelo autor, que é a obrigação principal, a cobrança da multa acessória também deve ser admitida. Ao promover a cobrança da multa, o credor estaria assumindo o risco de ressarcir a parte contrária pelos danos sofridos, se a decisão for reformada em momento posterior.
A segunda tese, no sentido contrário, admite a execução das astreintes somente após o trânsito em julgado da decisão de mérito. Tal entendimento busca privilegiar a segurança jurídica, evitando o transtorno que pode ocorrer caso uma parte seja compelida a pagar multa por descumprimento de decisão que se revelou equivocada ao fim do litígio. A incidência da multa, contudo, ocorreria desde o momento de fixação.
O terceiro entendimento busca uma posição intermediária, admitindo a execução provisória da multa desde que a liminar que a fixou seja confirmada por sentença ou acórdão que aprecie o mérito da causa, e que o recurso interposto contra esta decisão não seja recebido com efeito suspensivo. Não é exigido o trânsito em julgado, como na segunda tese, mas apenas que a sentença esteja produzindo efeitos. Neste caso, a incidência da multa também incide desde a data de fixação.
A terceira corrente prevaleceu, pelas seguintes razões.
A decisão que fixa as astreintes é proferida, via de regra, no início do processo e através de cognição sumária, ou seja, antes da produção de provas, oitiva de testemunhas e manifestação da parte contrária. Assim, ao exigir que esta decisão seja confirmada por sentença, fica reduzido o risco de que o autor se beneficie de uma multa que não fazia jus.
Por outro lado, aguardar o trânsito em julgado do processo pode impor à parte uma espera excessiva. A confirmação da medida liminar por sentença ou acórdão, sem que haja recurso suspendendo a eficácia da decisão, desta forma, garante a segurança necessária para permitir a cobrança da multa.
Além do mais, a execução provisória da multa diária é feita com base nos artigos 475-N, I, e 475-O do CPC:
Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:
I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;
(…)
Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas (…)
O STJ considerou que os artigos falam apenas em sentença, de modo que, adotando uma interpretação restritiva, decisões proferidas no curso do processo (interlocutórias) não poderiam justificar uma execução provisória.
Vale ressaltar que embora a multa só possa ser cobrada após sentença ou acordão confirmatório, sua incidência ocorre desde a data do descumprimento, o que preserva sua função coercitiva.
O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, portanto, solucionou de forma bastante técnica a controvérsia sobre o momento de cobrança das astreintes, harmonizando os aspectos conflitantes (segurança jurídica, efetividade das decisões judiciais e interesse do credor). A fixação da tese em sede de Recurso Representativo de Controvérsia, de igual modo, é de suma importância para a uniformização da jurisprudência acerca do tema.
(1) REsp 1006473/PR e REsp 770753/RS
(2) STJ – Súmula 410 : “A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.”
Fonte: Torres e Pires Advogados Associados