201511.30
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Receita decide tributar dinheiro devolvido por delatores da Lava-Jato

Depois de muita discussão interna, a Receita Federal decidiu tributar o dinheiro devolvido pelos delatores da Operação Lava-Jato. O Ministério Público chegou a ponderar em conversas reservadas que a cobrança de imposto de renda e multa, sobre valores milionários, poderia dificultar novas delações. Mas a Receita concluiu que não há base legal para anistiar os investigados que decidiram colaborar com a Justiça e restituir a propina desviada de contratos da Petrobras.

Paralelamente às investidas criminais da Lava-Jato, a Receita prepara uma mega-operação de fiscalização para comprovar os valores recebidos e não declarados pelos acusados, para poder cobrar imposto. Até agora, os lançamentos fiscais somam R$ 1 bilhão. A Receita também analisa casos em que os acusados usaram pessoas jurídicas fictícias como forma de justificar a procedência do recurso.

A força-tarefa da Lava-Jato já fechou 35 acordos de delação. Os primeiros não traziam nenhuma menção aos efeitos tributários da devolução da propina. Com a decisão da Receita de cobrar imposto, os acordos mais recentes passaram a conter uma cláusula explicitando que a devolução do dinheiro não livra o delator de tributação, apurou o Valor. Indagado sobre a questão, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato no Paraná, declarou: “Nunca isentamos nenhum colaborador de obrigações tributárias. Cada colaborador resolve seus problemas fiscais diretamente com a Receita Federal.

“Na avaliação de auditores, a obrigação tributária decorre da renda recebida e não declarada, que proporcionou um acréscimo patrimonial. A propina é o “fato gerador” do tributo, pelo jargão tributário.

A cobrança de imposto sobre o ato de corrupção segue a lógica de que dinheiro não tem cheiro, ou seja, não importa a origem dos recursos na hora da Receita cobrar seu quinhão. Em tese, incide imposto até sobre a renda do tráfico de drogas.

A discussão sobre tributar ou não os delatores da Lava-Jato começou com a ponderação de alguns procuradores e auditores de que, se o delator devolver o total recebido ilegalmente, não terá condições de pagar imposto sobre esse dinheiro. Dificilmente o salário de um executivo atingirá as cifras desviadas dos contratos bilionários da Petrobras. Um grupo de auditores argumentou que a atuação da Receita seria inócua na prática.

Técnicos saíram em busca de normas ou precedentes no Judiciário que pudessem chancelar o perdão. O problema é que nem a legislação tributária nem a lei das organizações criminosas, que regulamenta o uso da delação premiada, faz esse tipo de previsão.Foi aventado um paralelo com casos de apreensão e devolução para o Estado de bens obtidos com a prática de crimes.

Algumas decisões judiciais concluíram que não incide imposto sobre produto de crime sujeito a confisco. Alguns auditores defenderam que a mesma lógica deveria se aplicar ao dinheiro envolvido nos acordos de delação.

Mas venceu a corrente para a qual, com a entrada de recursos, a administração se torna legalmente obrigada a agir. O Código Tributário Nacional prevê que tanto atividades ilícitas quanto negócios considerados juridicamente nulos estão sujeitos a cobrança de impostos.

O alerta de uma provável ação da Receita teria sido uma das formas usadas pelo advogado Edson Ribeiro, preso na semana passada, para pressionar o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró a não fazer delação. Segundo as investigações, ele teria dito a Bernardo Cerveró, filho do executivo, que a Receita tomaria todos os bens da família se o acordo fosse fechado. O advogado teria inclusive mencionado que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, delator da operação, “estava enfrentando dificuldades nessa seara”.

O advogado Antonio Figueiredo Basto, que atuou no acordo de delação do doleiro Alberto Youssef e de outros implicados na Lava-Jato, diz desconhecer qualquer lançamento fiscal contra seus clientes: “Desconheço como a Receita irá lançar.

“Essa foi a primeira vez que a Receita se viu diante desse tipo de impasse. Nunca houve um processo judicial no Brasil com tantas delações e quantias tão altas como a Lava-Jato. A Receita conta com uma equipe especial para cuidar do caso. São 39 auditores fiscais executando as ações e mais de 15 selecionando os alvos de fiscalização. Alguns defendem uma mudança na lei para prever como enquadrar a atuação do Fisco quando houver devolução de dinheiro por meio de acordos de delação.

Fonte: IDTL / Valor Econômico