201212.14
0

Serra Do Cafezal Tem Licença Negada

Uma sucessão de questionamentos judiciais, mudanças de projeto e embates ambientais conseguiram transformar em uma verdadeira saga um dos mais importantes projetos de duplicação rodoviária do país. Dez anos se passaram desde que o Ibama emitiu a licença prévia ambiental que autorizava o plano de duplicação da Serra do Cafezal, um complicado trecho paulista da Régis Bittencourt (BR-116), rodovia que liga São Paulo a Curitiba. Uma década depois, nada aconteceu. Para reforçar a frustração, a tentativa mais recente de iniciar a duplicação fracassou, conforme apurou o Valor.

Depois de analisar o relatório de impacto ambiental apresentado em maio pela Autopista Régis Bittencourt, consórcio do grupo OHL que responde pela Régis, o Ibama rejeitou o estudo da companhia e apontou uma série de problemas que precisam ser corrigidos para liberar, definitivamente, o empreendimento. Na avaliação da equipe técnica do Ibama, os compromissos de compensação sugeridos pelo consórcio para amenizar os impactos ambientais da duplicação “não estão substancialmente atendidos pelo empreendedor”. O instituto entendeu ainda que “não se vislumbra neste momento a segurança necessária para a emissão da licença pretendida, uma vez que ainda restam dúvidas, necessidades de complementação e até mesmo revisão de vários dos programas ambientais propostos.”

Sem licença de instalação, não tem obra. O resultado prático dessa situação é que um perigoso trecho de 19 quilômetros da Serra do Cafezal, localizado no município de Miracatu (SP), segue com sua pista única, colaborando ativamente com os altos índices de acidentes registrados todos os anos na rodovia, muitos deles, fatais.

Desde que assumiu a rodovia, em 2008, a Autopista Régis Bittencourt só conseguiu obter autorização para avançar num trecho parcial da serra. Ao todo, o percurso que corta o Vale do Ribeira tem 30 km de extensão. Em 2010, o consórcio obteve licença para executar a duplicação de 11 km. Parte dessa duplicação foi entregue em março deste ano, com a conclusão dos 11 km em outubro. Ficaram para trás, no entanto, 19 km da estrada que precisam ser duplicados. É o único trecho dos 402 km da rodovia que liga São Paulo a Curitiba que ainda permanece com pista única.

Com atraso de quatros anos e mudanças constantes de traçado para evitar possíveis estragos no Parque Estadual da Serra do Mar, a obra já viu seu preço dobrar. As estimativas iniciais, que apontavam para um orçamento de aproximadamente R$ 300 milhões, já saltaram para a casa do R$ 700 milhões. O projeto atual da Autopista Régis Bittencourt inclui a construção de quatro túneis, 36 pontes e viadutos, e uma série de muros e cortinas de contenção, por conta do trecho ser muito íngreme. É complicação suficiente para pelos menos três anos de trabalho, considerando que a obra consiga seguir seu fluxo normal, sem interrupções. Isso significa que, se começasse agora, a duplicação só estaria pronta em 2016.

A urgência de se concluir a duplicação final da Régis pode ser explicada por números. Em 2009, a Serra do Cafezal registrou 506 acidentes. No ano seguinte, somou mais 509 ocorrências. No ano passado, foram 490 acidentes. Neste ano, com a duplicação de 11 km, o índice apresenta uma queda mais acentuada. Até outubro, segundo o consórcio, foram feitas 357 notificações no trecho, onde diariamente passam cerca de 22 mil veículos.

O imbróglio do licenciamento da Régis, estrada que entrou para o clube das chamadas “rodovias da morte”, teve início em 1987, quando ainda estava sob gestão estadual. Em 1996, a Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo concedeu licenças para vários trechos da BR-116, mas não para a Serra do Cafezal. Em 1999, o Ibama assumiu a responsabilidade pelo licenciamento do trecho, culminando com a emissão de uma licença prévia somente em 2002. A licença obteve sucessivas prorrogações, até que, em 2007 uma ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo, contra a concessão da licença ambiental para a duplicação do trecho. Só em 2009 a ação do MPF foi julgada improcedente. Durante todo esse período, o Ibama ficou travado, por conta da paralisação imposta pela ação judicial. O processo de licenciamento do trecho compreendido entre os km 344 e 363 só retornaria aos eixos em 2011, com novo requerimento do consórcio que assumiu a rodovia.

Na semana passada, mais uma ocorrência ajudou a engrossar as estatísticas da Serra do Cafezal. Uma pessoa morreu em um acidente que envolveu a colisão de três caminhões. Um deles acabou tombando na pista e bloqueou completamente o tráfego nos dois sentidos, por duas horas.
Fonte:Valor Econômico, por André Borges